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As Lavadeiras

Imagem de Irmãos Ferrari, rua Washington Luis, antiga rua da  praia do Riacho,  década de 1880/1890. Acervo Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

As mulheres negras, pós-escravidão, continuaram desempenhando as mesmas funções que tinham antes. Deixaram de ser escravas domésticas para continuarem a exercer trabalhos precarizados, como de lavadeiras, cozinheiras, babás, amas de leite, mucamas, costureiras, etc.

Na casa grande (casas da elite), as lavadeiras iam e vinham com seus turbantes e saias de bicos, penteados e estilos de vestir de suas terras de origem e de seu grupo étnico. Era uma forma de afirmação de suas identidades, de resistirem às marcas da escravidão e pós-escravidão.

Os encontros periódicos entre as lavadeiras criavam e solidificavam laços de amizade e solidariedade, ajudando na construção de um universo social relativamente autônomo da mulher negra, que a fortalecia para o enfrentamento das adversidades e do forte preconceito a que eram submetidas. Muitas respondiam sozinhas pelo sustento dos filhos, realidade que atravessou séculos e que ainda se mantém.

Em Porto Alegre, as lavadeiras buscavam as trouxas de roupas nas casas de famílias ricas para lavar, principalmente, nas águas do Guaíba, do Arroio Dilúvio. Era um processo totalmente braçal, em que a roupa era molhada, ensaboada, batida na pedra e colocada para quarar (branqueamento pela ação do sol), depois de seca, era dobrada e levada para ser engomada, passada e, finalmente, acomodada na trouxa de modo a não amassar ao ser entregue.

Essa atividade consumia muitas horas e significava carregar na cabeça, ou em grandes bacias, cerca de 14kg pelas ruas centrais tanto de Porto Alegre quanto de várias cidades do Rio Grande do Sul.

Conforme o censo do IBGE de 2011, as mulheres negras ocupam o total de 79,4% dos postos de trabalhos manuais, sendo que 51% como empregadas domésticas e 28,4% como lavadeiras, passadeiras, cozinheiras, serventes, ou seja, ainda se encontram em postos precários, informais e mal remunerados, mesmo que essenciais à vida contemporânea de famílias inteiras.

Lavadeira de Abaeté. Foto de Ailton Cordeiro/Arquivo Correio

Nas margens dos rios, as mulheres negras quase sempre trabalhavam em grupo, o ato de reunir-se era uma forma de fortalecimento comunitário, apoio e resistência frente ao ofício árduo que desempenhavam. Entre um ensaboar, esfregar, quarar e cuidar das crianças, que muitas vezes as acompanhavam, ocorria também a construção de conhecimentos, saberes que eram transmitidos de geração em geração, tendo consequências positivas na atualidade como legado de fortalecimento e resistência, característica fundamental das comunidades negras.

Um dos locais que as lavadeiras ocupavam e moravam com suas famílias era o Areal da Baronesa, área margeada pelo riachinho (trecho final do Arroio Dilúvio), onde desempenhavam seus trabalhos.

O Areal da Baronesa é considerado um território negro, um quilombo urbano, localizado no bairro Cidade Baixa, na cidade de Porto Alegre/RS. A comunidade recebeu a titulação no ano de 2015.

Mapa dos Territórios Negros em Porto Alegre - 1916

Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre o Mapa de Porto Alegre de 1916 (IHGRGS, 2005)

No Mapa abaixo os Territórios podem ser localizados a partir das ruas atuais de Porto Alegre

Fonte: Elaboração de Daniele Machado Vieira sobre o Mapa de Porto Alegre de 1916 (IHGRGS, 2005)

E as lavadeiras com suas trouxas na cabeça, que subiam e deciam as ladeiras da Porto Alegre de territórios negros, em sua vida dura e na sua luta diária representam uma legião de mulheres, negras em sua maioria, do nosso imenso país e de todos os lugares onde se desejou uma roupa limpa. 

Sinônimo de força, inspiraram mais  do que a outras mulheres e viraram samba, poesia e arte.

Veja alguns exemplos abaixo.

...e bate...e bate a roupa a lavadeira

Por cada peça dão-lhe apenas um Real

E as peças vão formando u’a montoeira,

De tons e cores pela corda do varal.

E bate...e bate...e bate uma canseira,

De outro dia, tão difícil, tão igual

E as peças vão formando na esteira,

Multinuances d'algum quadro surreal...

Fragmento do Poema "Mãe Lavadeira",

  de Jenário de Fátima 

As Lavadeiras de Mossoró

 

As lavadeiras de Moçoró, cada uma tem sua pedra no rio; cada pedra é herança de família, passando de mãe a filha, de filha a neta, como vão passando as águas no tempo. As pedras tem um polimento que revela a ação de muitos dias e muitas lavadeiras. Servem de espelho a suas donas. E suas formas diferentes também correspondem de certo modo à figura física de quem as usa. Umas são arredondadas e cheias, aquelas magras e angulosas, e todas tem ar próprio, que não se presta a confusão.

A lavadeira e a pedra formam um ente especial, que se divide e se unifica ao sabor do trabalho. Se a mulher entoa uma canção, percebe-se que a pedra a acompanha em surdina. Outras vezes, parece que o canto murmurante vem da pedra, e a lavadeira lhe dá volume e desenvolvimento.

Na pobreza natural das lavadeiras, as pedras são uma fortuna, joias que elas não precisam levar para casa. Ninguém as rouba, nem elas, de tão fiéis, se deixariam seduzir por estranhos.

                                                       

Carlos Drumond de Andrade,

em Contos plausíveis

Lavadeiras do Rio de Janeiro - Johann Moritz Rugendas
As lavadeiras - Wellington Oliveira
Lavadeiras - Atayde Lopes
Lavadeira III - Ana Maria Lisbôa Mortari
Lavadeiras do Abaeté - José Pancetti
Lavadeiras em Cagnes - Pierre
Auguste Renoir

Em 2020, a Escola de Samba Viradouro leva as lavadeiras do Abaeté para a Sapucaí e ganha o carnaval com desfile emocionante e que visibiliza o trabalho tão importante dessas mulheres que atravessou séculos e ainda hoje lhes garante o sustento lavando roupas, embora não mais na lagoa do Abaeté.

Confira e se emocione: https://www.youtube.com/watch?v=W3bnk6SQZEU&t=116s

Imagem: Comissão de Frente da Viradouro. Desfile 2020. Fonte: Acervo Viradouro

Letra do samba Enredo 

Viradouro de Alma Lavada

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Levanta, preta, que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
Pra luta sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da bica de Itapuã

Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê

 

Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê

São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar

 

Nas escadas da fé
É a voz da mulher!

Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Levanta, preta, que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor
Mainha, esses velhos areais
Onde nossas ancestrais acordavam as manhãs
Pra luta sentem cheiro de angelim
E a doçura do quindim
Da bica de Itapuã

Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê

Camará ganhou a cidade
O erê herdou liberdade
Canto das Marias, baixa do dendê
Chama a freguesia pro batuquejê

São elas, dos anjos e das marés
Crioulas do balangandã, ô iaiá
Ciranda de roda, na beira do mar
Ganhadeira que benze, vai pro terreiro sambar
Nas escadas da fé
É a voz da mulher!

Xangô ilumina a caminhada
A falange está formada
Um coral cheio de amor
Kaô, o axé vem da Bahia
Nessa negra cantoria
Que Maria ensinou

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ó, mãe! Ensaboa, mãe!
Ensaboa, pra depois quarar

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Ora yê yê ô oxum! Seu dourado tem axé
Faz o seu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma dessa gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Composição: Anderson Lemos / Carlinhos Fionda / Cláudio Russo / Dadinho / Diego Nicolau / Julio Alves / Manolo / Paulo César Feital / Rildo Seixas.

Outra produção que vem arrematando prêmios é o documentário  Filhas de Lavadeiras, inspirado na obra da escritora negra gaúcha,  Maria Helena Vargas da Silveira, e dirigido por Edileuza Penha Souza.

O filme apresenta a história de vida de três mulheres que tiveram seus destinos modificados pela força do trabalho das mães lavadeiras. No elenco, Neide Rafael, Benedita da Silva, Ruth de Souza, Neusa das Dores Pereira, Elisabete Martins da Silva Gonçalves, Maria José de Sousa, Hellen Rodrigues Batista, Rosangela Rodrigues Batista, Iris Marques Patricio de Oliveira, Magna Marques de Jesus Oliveira, Conceição Evaristo, Mary France de Deus, Angela Donizete Batista de Deus, Maria Goretti dos Santos e Ivonete Nunes Rodrigues dos Santos.

Assista ao Clipe da música tema da produção.

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