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As mulheres na Guerra

O apagamento deliberado do papel da mulher da sociedade foi uma das maiores dificuldades para que se levasse a cabo a localização de personagens femininas importantes para a história da Guerra Civil Farroupilha, raramente mencionadas na história oficial deste episódio, que marcou o Rio Grande do Sul.

Esta exposição trata do protagonismo feminino na Guerra, em suas diversas nuances, trazendo para o universo do visível os movimentos e a atuação de mulheres que a partir de seus contextos de vida,   impactaram o próprio conflito em curso.

É interessante evidenciar que as diferenças dos grupos sociais a que pertenciam estas mulheres  determinaram diferentes estratégias de participação e luta, sem, contudo, deixar de atribuir a cada uma a relevância narrativa na própria Guerra.

Diante das dificuldades em localizar registros sobre a participação das mulheres e o modo como protagonizaram os episódios, recorreu-se à Coleção Varela, publicação organizada pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul cujos 24 volumes contêm correspondências trocadas  entre diversas pessoas durante o período da Guerra Civil Farroupilha (1835-1845).

Ressalta-se que relatos, correspondências, bilhetes e ofícios redigidos apenas por mulheres não foram considerados “importantes”, não sendo por isso preservados. Deste modo, os registros aqui utilizados são os de figuras masculinas respondendo cartas para suas esposas, relatos de acontecimentos envolvendo mulheres e, excepcionalmente, alguns escritos de mulheres no verso  de cartas redigidas por homens.

Um dos exemplos são as correspondências da Sra. Bernardina Barcelos de Almeida, esposa do Ministro da Fazenda Sr. Domingos José de Almeida, que trocavam cartas frequentemente, sendo ela uma mulher alfabetizada, um dos fatores importantes a serem considerados aqui, pois no período Farroupilha nem todos os membros da elite  eram alfabetizados e a educação formal era ainda uma realidade distante.

Entre tantas mulheres que prestaram serviços, favores e empréstimos às causas, citamos aqui as Sras. Firmiana e Teresa Maria de Macedo (CV-3113), que prestaram serviços à causa Legalista, realizando costuras gratuitas, que hoje pode parecer um gesto simples, foi de extrema significância, pois parte da manutenção das tropas era realizada por mulheres, sejam as que prestavam favores de estadia, como a Dona Rita (CV-2843; CV-3103; CV-3610; CV-4138; CV-5133; CV-7450; CV-7831), e as que faziam tantas outras atividades. 

Recorrendo a pesquisas acadêmicas, que se dedicaram à investigação deste tema, é possível agrupar por tipo de ações a participação feminina na Guerra, como se apresenta no quadro abaixo:

Fonte: Couto, 2022. Produzido a partir de texto de Hilda Flores publicado naRevista do Instituto Histórico e Geográfico do RS - n. 148 - 2014

As tramas e costuras da guerra

Todas essas ações são muito significativas e deve-se refletir sobre elas. Usando a metáfora de um show, por exemplo, que não é realizado apenas pelo cantor principal, existindo uma gama gigantesca de pessoas envolvidas e processos para que a apresentação aconteça. Um dos pontos importantes em relação a isso seria a prestação de serviços de costura e produção de indumentárias. Um fato curioso de destacar é que boa parte das vestimentas utilizadas pelos combatentes farroupilhas eram uniformes de outras guerras travadas em períodos que lutaram pelo Império. Desse modo, para que parte dos oficiais combatentes fossem devidamente identificados com a República Rio-grandense, suas roupas eram customizadas com o bordado de brasões e faixas. Assim, os serviços de costuras prestados pelas mulheres impactou diretamente na identidade da Guerra e no processo de identificação e reconhecimento da causa Farroupilha, pois pode-se considerar até os elementos de iconografia das simbologias da causa, que eram reinterpretados por mãos femininas ao bordar e tramar os fios em faixas, distintivos, bandeiras etc.

Faixa pertencente ao General Farroupilha João Antônio da Silveira. O bordado em ponto e cruz desta faixa demonstra bem a habilidade de quem o fez.

Fita escrita "República Rio Grandense" que pertenceu ao General Antônio de Souza Neto. Seda e fio dourado.

Acervo MJC

Faixa pertencente ao General Farroupilha João Antônio da Silveira. O bordado em ponto e cruz desta faixa demonstra bem a habilidade de quem o fez.

Acervo MJC

Fita escrita "República Rio Grandense" que pertenceu ao General Antônio de Souza Neto. Seda e fio dourado.

A logística de inteligência que envolvia as trocas de mensagens também, muitas vezes, passava por mãos de mulheres, que detinham informações cruciais para a batalha. Em correspondência de Bernardo Pirez, este relata a Domingos José de Almeida (CV-7399), que Dona Isabel Meirelles receptora e encaminhadora de mensagens escritas a serviço dos farroupilhas, havia retido algumas correspondências por motivo de que estas não seriam remetidas ao destino a ela instruída, que seria a cidade de São Gabriel. Na carta é relatado também que as comunicações estavam em demora de entrega por motivo do cerco de inimigos. Pelos Farroupilhas terem recursos militares escassos, tiveram que manter a guerra em movimento, obrigando os revoltosos a desenvolver uma rede de intensa comunicação e troca de mensagens. Dessa forma mulheres também eram responsáveis de serem receptoras e liberadoras destas comunicações, que eram realizadas em formato de epístola e documentos escritos, o que faz (como no caso de Isabel) com que elas redobrem os seus cuidados para seguir as instruções recomendadas, pois o mesmo teor destas mensagens poderia revelar detalhes estratégicos importantes, caso fossem pegos por mãos inimigas dos farroupilhas. D. Isabel Meirelles é um exemplo, assim como a Dona Anna (CV-7328), citada nas correspondências de Celestino Gularte Pinto, e várias outras que também exerciam essa função de inteligência militar cargo de confiança, organização, administração dessas informações, que eram essenciais para a Guerra.

Distintivo bordado em ponto cruz, usado pelas mulheres republicanas nas fachadas de suas casas. Pertenceu a Firmina da Silva Vale.

Acervo MJC

Bandeirola usadas pelas tropas do Exército Imperial, pertenceu ao Cel. João Batista de Oliveira Mello. As mulheres também forneceram trabalhos de bordado e costura para o Império do Brasil.

Bandeirola usada pelas tropas do Exército Imperial, pertenceu ao Cel. João Batista de Oliveira Mello. As mulheres também forneceram trabalhos de bordado e costura para o Império do Brasil.

Acervo MJC

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