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Caminhos Indígenas no século XX e XXI

2023 - Atual - Ciclo 6

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Caminhos indígenas nos séculos XX e XXI: aldeias, cidades e retomadas

Apesar de estarem há milhares de anos no Sul do que é hoje o Brasil, os povos originários vivem relações desiguais desde que entraram em contato com os europeus. Foi apenas na Constituição Federal de 1988 que os indígenas conquistaram o direito de ir e vir, de viver sob suas tradições culturais e de usar sua língua. Esta exposição tem por objetivo mostrar alguns momentos no tempo e no espaço dos caminhos dos povos indígenas do Rio Grande do Sul nos séculos XX e XXI. 

 

No último século, diversas tecnologias mudaram a forma como vivemos. Para as populações indígenas, esse período foi marcado por um regime tutelar imposto nos aldeamentos, com objetivo de convertê-los em "civilizados", por meio de proibições culturais e do trabalho, muitas vezes forçado. As fotografias dos anos 1950, no que é atualmente a maior Terra Indígena do Estado, apresentam um retrato desse período e de alguns sujeitos Kaingang que viveram esse processo.

 

Já no final do século XX, os aldeamentos não mais comportavam a crescente população nem um modo de viver tradicional e digno. Muitas comunidades se deslocaram para as capitais, negociando com o poder público espaços possíveis em que pudessem criar aldeias, e outros que pudessem comercializar seu artesanato como forma de sustentar suas famílias. Esse momento está representado nos ensaios de Amália Creus, em 1994, e de Fernando Pires, no início dos anos 2000.

 

Ainda no início deste século, algumas etnias, consideradas extintas no estado, ressurgem de um lugar de esquecimento e invisibilidade para reivindicar seus direitos. Outras comunidades buscam reviver o modo de vida tradicional e retomam territórios ancestrais nas áreas urbanas. As fotografias do antropólogo Lino Laklãnõ nos mostram um pouco do cotidiano, da luta e dos desafios de duas retomadas contemporâneas do Rio Grande do Sul.

Fotografias do Posto Indígena Guarita

Fotografias realizadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
Doação de Otacílio Barcelos (prefeito de Três Passos)

Três Passos - RS

Recebidas pelo Museu em 1953


 

As imagens retratam indígenas Kaingang, do então Posto Indígena Guarita, localizado a cerca de 500 km de Porto Alegre. Foram uma doação de Otacílio Barcelos, no ano de 1953, quando este era prefeito do município de Três Passos, próximo de onde está localizada até hoje a Terra Indígena. Não há dados sobre a data em que foram realizadas as fotos nem sobre sua autoria. É possível perceber que as pessoas se vestiram e posaram especialmente para as fotos. 

O Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado no início da República, em 1910, foi o primeiro órgão de Estado a ter como finalidade a relação com os povos indígenas em todo o Brasil. Na década de 1940, o SPI ampliou sua atuação no Rio Grande do Sul, passando a administrar territórios indígenas que foram demarcados pelo governo estadual algumas décadas antes.

 

Os objetivos principais do SPI eram: delimitar o espaço de ocupação dos indígenas de modo a abrir terras para a colonização; transformar os indígenas em trabalhadores rurais produtivos para o país; e civilizar e desenvolver nos índios um sentimento de pertencimento nacional. As fotos revelam que havia a intenção de mostrar os Kaingang como gaúchos que trabalhavam no campo, mas ainda mantinham suas tradições, como a confecção de cestos.

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Apesar de um longo contato que remonta ao final do século XVIII e que se intensificou com a presença do SPI, os Kaingang continuam ocupando essa região e crescendo em número. Guarita é hoje a maior Terra Indígena do Rio Grande do Sul, com cerca de 23 mil hectares e mais de 7 mil habitantes.  

Lino Laklãnõ

São Francisco de Paula e Porto Alegre - RS

2022/2023


 

As fotografias realizadas entre 2022 e 2023 mostram a luta dos povos indígenas no Rio Grande do Sul na retomada de terras tradicionais em duas paisagens diferentes: nos Campos de Cima da Serra e na periferia de Porto Alegre. O fotógrafo buscou retratar aspectos importantes desses movimentos, como o trabalho coletivo, a importância dos mais velhos e como as tradições culturais de cada povo são intrinsecamente ligadas aos movimentos de retomada.

A estratégia de retomar terras vem, pelo menos, desde os anos 1970 na Região Sul, e ganha força com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu aos indígenas sua “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Os Xokleng no Rio Grande do Sul sofreram grande perseguição do final do século XIX ao início do século XX, até serem considerados extintos. Porém a família Vei Tchá manteve viva a memória sobre o território ancestral dos Campos de Cima de Serra. No Morro Santana, periferia de Porto Alegre, diversas famílias Kaingang e Xokleng vem reivindicando um espaço, onde possam manter seu modo de vida e sua cultura, há mais de 30 anos.

Cenas das Retomadas Xokleng Konglui
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Rodrigo Lino Nunc-Nfôonro (Lino Laklãnõ) é indígena Laklãnõ/Xokleng, da Terra Indígena Ibirama/Laklãnõ, no município de José Boiteux em Santa Catarina. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestrando em Antropologia Social no Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisa sobre retomadas de terras tradicionais no sul do Brasil.

 

Paulo Fernando Pires da Silveira

Porto Alegre - RS

2003/2004

 

A coletânea fotográfica intitulada “Índios Urbanos” foi produto de um trabalho acadêmico para o Curso em Fotografia da Universidade Luterana do Brasil, entre 2003 e 2004. Retrata cenas dos povos indígenas em contexto urbano, na região central de Porto Alegre, como a confecção e a venda de artesanatos e momentos de contato familiar, apresentando um olhar sensível sobre jovens indígenas que desafiaram estereótipos e preconceitos reafirmando sua identidade originária no centro da selva de pedra.

 

Os povos indígenas sempre circularam pela região urbanizada da capital gaúcha, como trabalhadores, soldados, escravizados ou como guerreiros e lideranças de seus grupos. A região do Guaíba é conhecida desde tempos imemoriais, assim como seus recursos, em especial a pesca. Se hoje a pescaria não é mais uma realidade, a coleta de materiais, como o cipó, a produção e o comércio do artesanato, é cotidiano para os indígenas das mais de dez aldeias na região metropolitana de Porto Alegre.

Índios Urbanos
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Paulo Fernando Pires da Silveira é fotógrafo, designer editorial e professor de fotografia na Universidade Luterana do Brasil. É mestre em Educação e doutorando em Memória Social e Bens Culturais.

 

Amalia Susana Creus

Aldeia Cantagalo - Viamão/RS

1994

 

Após uma profunda pesquisa bibliográfica sobre os valores sócio-culturais do povo Mbyá-Guarani, a fotógrafa Amalia Susana Creus realizou várias visitas à aldeia Cantagalo, a 50 km do centro de Porto Alegre, resultando em um ensaio fotográfico, em parte exposto aqui. As fotos em preto e branco retratam temas importantes dentro de uma comunidade Mbyá-Guarani, como o artesanato, a vivência das crianças e as construções tradicionais.

 

A aldeia Cantagalo, ou Tekoá Jata’ity em língua Guarani, fica no limite entre os municípios de Porto Alegre e Viamão, em uma área rica em biodiversidade da floresta tropical. Habitada de forma contínua desde a década de 1970, ela somente foi homologada em 2007. Esse território remete à ocupação pré-colonial da região entre a bacia do Guaíba e os Campos de Viamão pela população falante da língua Guarani, comprovada por pesquisas arqueológicas e históricas. Atualmente, vivem na aldeia cerca de 43 famílias (2023) do povo Mbyá-Guarani.

“Projeto Mbyá-Guarani: Realidade de um Povo”

Amalia Susana Creus se graduou em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fez mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e é, atualmente, professora no Departamento de Informação e Comunicação da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha.

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Vestimenta Kajaka entre as mulheres Kaingang da T.I Guarita

Kajaka é entre as kaingang uma vestimenta , um traje festivo para dias especiais onde as mulheres indígenas representam sua beleza de forma cuidadosamente costurada e pregueada construindo paradigmas de poder.

Na época em que o SPI impunha regras entre os Kaingang , as formas mais cruéis para impor sua autoridade, nossas terras eram vendidas para os fóg e o dinheiro era para uma minoria, alguns momentos foram de liberdade como festas e rituais onde as roupas eram caracterizadas para tais situações onde a liberdade e a expressão cultural das kaingang floria nas costuras e pregas.

 

Contam as kófa da minha terra indígena guarita, que por muito tempo, a kajaka (casaca) era uma vestimenta muito cobiçada entre as mulheres kaingang.

Somente mulheres com status dentro da comunidade tinham condições de costurar essa vestimenta tão valiosa , contam as mais velhas que a metragem total de tecido chegava a 12 metros de seda para quem podia comprar e de cetim para as menos afortunadas.

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Nos dias de festas, o que chamava a atenção eram as pregas e cores variadas que formavam a casaca e a saia das kaingang do Guarita que completavam seus figurinos com metros de fitas coloridas em laços nos cabelos longos e negros, cada uma com dois metros de comprimento, geralmente quem tinha mais condições usava muitas cores mas nunca menos que quatro cores diferentes .

 

Meias brancas e sapatos pretos completavam o figurino, enquanto os homens se detinham em calças sociais e camisas , bem como sapatos pretos e chapéus confeccionados pelas esposas.

Contam as Kófa, que foram os fóg que arrendavam as terras que presentearam as esposas das lideranças com rolos de tecidos e metros de fitas coloridas foram as próprias kaingang que aderiram . O feitio era de responsabilidade das kaingang, o que foi padronizado até os dias de hoje, com toda regra proposta pelas idealizadoras.

 

Hoje em dia somente em momentos especiais é que as kaingang usam essa vestimenta , porém é um modo de aceitação da nossa história.

 

O colorido, as pregas e o glamour disfarçavam por momentos a fome, a miséria e o sofrimento de trabalhos forçados, militarização e quebra dacultura indígena tão corroída por lutas e guerras pela defesa de seus territórios constantemente ameaçados e corrompidos.

 

As meninas kaingang, nos dias atuais tentam valorizar essa vestimenta tão linda que faz muitos kófa se emocionarem ao relembrar o passado tão presente nas memórias mais bonitas de um passado tão triste.

Registro do uso do vestido Kajaka nos anos de 1940

Filme "Índios Urbanos" (2002)

Este documentário, coproduzido em 2002 por uma já extinta cooperativa de comunicação* e a ONG Amencar, conta a história de um grupo de indígenas Kaingang que migrou do interior do Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente da região de Nonoai, para Porto Alegre, para viver diretamente em ambiente urbano. Situados em uma área de vulnerabilidade social, decidiram lutar também pelo seu espaço na cidade e acabaram por conquistar uma nova área na Lomba do Pinheiro.

 

Já se passaram mais de 20 anos. Hoje, este grupo cresceu, segue estabelecido nesta área conquistada, com mais estrutura e com sua cultura intacta. A existência desses Kaingang é a prova de que não existe espaço pré-delimitado para os povos originários - toda a terra é de seu direito, e as intersecções com o "mundo branco" não são definitivas para teses de aculturamento e/ou perda de identidade.

 

A luta deles continua, nosso apoio a sua resistência também.

 

"Coomunica - Cooperativa de Comunicação existiu no início dos anos 2000, tendo um grupo saído de seu quadro societário, alguns produtores deste documentário, que vieram a fundar em setembro de 2004 a Cooperativa de Trabalho Catarse - Coletivo de Comunicação e Produção Cultural.

 

Confira o trabalho do Coletivo Catarse: https://coletivocatarse.com.br/

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