Máscaras
2021 - Ciclo 4
Transcendendo questões de impacto visual, os objetos dos povos originários do território brasileiro trazem formas e funções específicas que revelam a presença e a expressão de grande diversidade dentro de cada grupo, bem como, expressam suas conexões com a ancestralidade.
Repletas de significados, as máscaras vão muito além da nossa imaginação quando as contemplamos: são representações de forças da
natureza, da pesca, das colheitas, dos animais lendários, dos ancestrais, bem como de cerimônias específicas e festejos.
Além disso, a confecção das máscaras – materiais utilizados e significados – modifica-se de acordo com as representações e universo de cada etnia indígena presente no Brasil.
Na tentativa de entendermos as raízes dessas representações e seus simbolismos, conhecemos e nos conectamos com os elos da ancestralidade indígena e com suas lutas por permanência dentro do nosso contexto contemporâneo.
MIlho - avati ou avaxi
Para os Mbyá-Guarani e para muitos dos povos americanos, o milho é um dos alimentos mais importantes e considerado sagrado. Todas as etapas do cultivo são repletas de significados. A semeadura determina o ritmo da vida social, o elo entre dois mundos – espiritual e terreno, o cuidado da planta na terra e a colheita.
A mulher foi a primeira a cultivar as plantas alimentares, desenvolvendo um amplo conhecimento sobre os ciclos, as colheitas e a preservação das sementes. A ligação com o culto praticado está relacionado com a fecundidade humana e agrária e intrinsecamente relacionado com a religiosidade, onde a mulher concebe e traz a vida, assim como a terra tem o processo de plantação, germinação e alimentação. O ciclo que envolve a vida corresponde à renovação rítmica do cosmos. Existem rituais de preparação para o plantio e a colheita, de modo a vincular os alimentos com os seus espíritos protetores, bem como para fortalecer e proteger aqueles que irão se alimentar. O uso do petynguá (cachimbo sagrado Guarani Mbya), para benzer os alimentos, é recorrente durante estes rituais.
Os milhos verdadeiros ou sagrados (avaxi ete) ainda são divididos em:
- avaxi mitã (milho pequeno);
- avaxi pitã (millho vermelho);
- avaxi xi (milho branco);
- avaxi pará (milho rajado ou listrado);
- avaxi pitã pará (milho vermelho rajado);
- avaxi ju (milho amarelo);
- avaxi ovy (milho azul);
A resistência dos povos e grupos de agricultores indígenas na contemporaneidade está diretamente vinculada à continuidade permanente do plantio e todos os significados simbólicos que envolvem o cultivo do milho. Mais do que produzir grandes roças, a preocupação principal é em perpetuar as plantas verdadeiras das culturas criadas por Nhanderu.
Atualmente, entre as diversas ameaças a esse cultivo, está a liberação do uso de sementes transgênicas de milho que, pelo seu sistema de polinização aberta e cruzada, facilitam a contaminação dos milhos tradicionais. A luta em defesa das sementes nativas e crioulas tornou-se símbolo da luta pelo direito à vida e pelo respeito à diversidade com autonomia, independência, segurança e soberania alimentar.
Mba’eapo Tenonde – arte originária Mbyá-Guarani
O saber fazer do artesanato Mbyá-Guarani é um importante conhecimento tradicional que vem sendo transmitido de geração a geração, integrando o modo de ser deste povo e também um meio de subsistência. É um trabalho demorado, envolvendo o deslocamento para áreas distantes em busca de matéria-prima, seguido do seu preparo, acabamento e posterior comercialização. Por trás de cada artesanato está a diversidade de usos, formas e simbologias preservadas por esta cultura.
"ara pyau é o novo dia, novo tempo, novo ano – época de escutar o passarinho que grita anunciando o momento de se acordar, se preparar para o trabalho de plantio e agradecer a primeira semente para que o espírito da plantinha ou da fruta nos sustente com carinho"
"ara ymã é o momento de concentração e recolhimento, não se vai quase na casa de reza e não se trabalha como no verão – não conseguimos nem ouvir o passarinho, é o momento de silêncio e fazemos mais artesanato" – Jaime Guyra
Cestaria Kaingang
Os trançados da cestaria do povo Kaingang, feita desde tempos imemoriais, estão intactos na vida cotidiana. Conforme Pohl, Milder (2003), os padrões duais cosmológicos são uma forma importante para entender as categorias dos grupos Kame e Kaĩru.
Para compreender a memória Kaingang, muitas informações foram obtidas por meio de artefatos e de estruturas presentes nos registros arqueológicos. Toda a cosmologia, os animais, os objetos e formas da natureza são ou Kame ou Kaĩru. Todas as formas redondas,
baixas, que são fechadas sobre si mesmas são kaĩru, e todas as formas compridas, abertas, leves, que não tem fim, são Kame. As formas dos cestos de taquara podem ser ror (baixo e redondo) ou téi (alto, sem fim e comprido).
Arte Plumária
A cultura indígena aproveita a natureza circundante para suas necessidades alimentícias, ritualísticas, medicinais, dentre outras. Portanto, os povos indígenas brasileiros contam com grande riqueza de espécies de aves e, consequentemente, variedade de tipos e cores de penas, aproveitando dessas potencialidades para refinar seus adornos e proporcionar uma diferenciação estética entre as etnias, mantida por gerações.
Também são usados como matéria-prima outros objetos regionais como folhas, fibras vegetais, couro animal etc. Além das penas naturais, há quem corte e adapte a forma da pena com o que é desejado, ou a tinja – tapiragem – que permite que os materiais se aproximarem da cor desejada.
Normalmente, os adornos são confeccionados pelos homens logo após a caça ou antes de festividades. Pode representar informações sobre sexo, idade, filiação (clã), posição social, importância cerimonial, cargo político e grau de prestígio dos seus portadores e possuidores.
Cerâmica Mbyá-Guarani
Essa tradição cerâmica é caracterizada pela alisada (simples) ou com decoração corrugada/ungulada (feita com a unha ou espátula) e pela pintura policrômica em linhas finas vermelhas e/ou pretas sobre fundo branco. As formas características das vasilhas são os pratos e as tigelas de base plana, com o perímetro da boca oval ou quadrado, na região Leste e Nordeste.
Já foram encontrados mais de mil sítios, na maioria superficiais, os quais se concentram nas bacias do alto Paraná e do alto Uruguai e no litoral atlântico desde a laguna dos Patos até o Rio Grande do Norte. A tradição se estendeu desde ao menos o século 5 da nossa Era até, em alguns lugares, o final do século 19, portanto por uns 1500 anos.
Igaçabas ou camucins/cambuchis eram denominações dadas pelos indígenas às urnas funerárias. Havia vários tipos de enterramento: algumas tribos desarticulavam os membros do morto e o colocavam na igaçaba; outras o enterravam em covas circulares e depois recolhiam o esqueleto para a urna (enterramento secundário). O costume de colocar os mortos em igaçaba é, segundo Goeldi, pós-colombiano e deve ter começado há mais ou menos 300 e 500 anos.
A posição do morto na igaçaba era igual à posição do feto no ventre materno. O costume de amarrar os membros do morto com fibras vegetais, enlaçamento, era considerado um “ato mágico” para impedir que o morto “voltasse para junto dos parentes”.
Todo o trabalho de cerâmica entre os indígenas era feito exclusivamente pelas mulheres, os homens somente ajudavam, algumas vezes, a apanhar o barro.
Ficha técnica:
Pesquisa:
Ana Caroline das Neves
Angelita Silva
Cinara Vargas
Claus Farina
Daniela Nissinen
Denise Bastos
Doris Couto
Jeferson Monteiro
Gabriel Costa
Iandora Quadrado
Lizete de Oliveira
Maria José Alves
Victória Deckmann
Fotografia:
Eugenio Barboza
Paola Malmann
Mel Ferrari (curadoria)
Design gráfico:
Ariel Lopes
Soluções expográficas:
Fabio Sosa
Gabriel Costa
Consultoria povos originários:
Cacique Jaime Vherá Guyra (Tekoá Jataí’ty) – etnia Mbyá-Guarani
Kujà (xamã) Iracema Gãh Té Nascimento - etnia Kaingang
Nildo Ribeiro da Silva – etnia Fulni-ô
Yhannhaw – etnia Xucuru
FUNAI – Brasília
Memorial dos Povos Indígenas – Brasília
Layout das salas:
Marcelli Teixeira
Equipe de apoio:
Alexandro Scheck
Bruno Rodrigues
Carla Ramires
Cristiano Dornelles
Geisa Farias
Genéverton Freitas
Julio Cezar Batista
Luciano Veleda
Luis André Veiga
Luis Carlos Bianchini
Mauricio Fagundes
Norma Ribeiro